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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Setembro - Premonições (Cap. I)

Cada vez que cerrava os meus olhos o pretérito implacável abatia-se sobre mim como se eu fosse responsável pelo que se tinha passado. Quando estava prestes a me embrenhar num sono profundo e revitalizante, o meu corpo começava a tremer e gritos, lágrimas e corpos em combustão entravam na minha mente e apavoravam-me. Num estado de transe e ainda atordoada com tamanhas memórias tão vivas e imutáveis, açambarcava a minha capa negra e corria descalça pela neve até ao cume da montanha tropeçando em pedras e embatendo contra arbúsculos que se intrometiam no meu caminho. Eu sabia quando havia atingido o cume mesmo estando de olhos cerrados. Quando a luz lunar embatia no meu rosto os meus olhos esbugalhavam-se e eu acordava daquele estado de transe desfazendo-me em lágrimas assim que avistava lá ao longe o manto imaculado manchado de sangue, com corpos decepados e mutilados. Conseguia recordar com precisão o número de casebres cobertos de colmo que ardiam quando a minha mãe e a minha irmã me puxavam pelo braço para deixar tudo para trás, inclusive o meu pai que tentava afugentar aqueles bárbaros que envergavam trajes metalizados e utilizavam tochas para atear fogo às casas pouco se importando com o facto de pessoas estarem lá dentro ou não. Os meus olhos de criança, naquela altura, memorizaram pessoas a saírem das suas habitações em chamas, outras a serem decepadas... outras a fugir por entre a floresta que se estendia. 
Nós sabíamos que um dia aquilo ia acontecer. Avisamos mas todos denunciavam a minha mãe como demente e visionária pelo que eu e a minha irmã sempre fomos vítimas de descriminação e todos nos olhavam de soslaio quando aparecíamos na feira semanal para abastecer a casa. A minha mãe sempre havia dito que uma conquista não era sinónimo de uma vitória permanente e que o que havia sido conquistado, numa questão de horas, podia voltar ao seu domínio inicial e tudo aconteceu tal como ela previra. Minutos antes dos cavalos irromperem pelo lado oeste da montanha, a minha mãe preparou uma pequena sacola com mantimentos e colocou no pescoço do meu pai o seu colar, alegando dar-lhe protecção efémera. O meu pai sempre a venerou mas era contra as suas visões mas, no entanto, aceitou-o colocando ao seu peito enquanto acabava de lixar uma lança. 
Naquele dia resplandecente de Setembro, de um momento para o outro, o céu encheu-se de nuvens avermelhadas. A minha mãe olhou para a janela e cerrou os olhos, alegando que precisávamos de ser evacuados o mais depressa possível. Lembro-me de olhar para a minha irmã com cepticismo quando vi que o meu pai ia ficar. Olhei para eles que haviam ficado próximo da janela voltada para a floresta e previ que a mãe sabia desde o início que alguém teria de ficar. Olhei para Angie que fixava os meus pais com os olhos encharcados e percebi que a única que não se tinha apercebido de algo de errado, era eu. 
- Promete-me que vais ficar bem. - pediu a minha mãe, colocando a sua mão pálida sobre o peito maciço do meu pai.
Ele sorriu com ironia e beijou-lhe a mão.
- Sabes melhor que ninguém que não vou ficar bem fisicamente mas ficarei recuperado assim que souber da vossa sobrevivência.
Segui-se um abraço demorado até que ele se dirigiu a nós, colocando-se de cócaras. Beijou-nos na face e afagou os nossos cabelos.
- Cuidem da vossa mãe. Estarei presente sempre que de mim se lembrarem. - proferiu com uma voz trémula, estendendo-nos rebuçados que nos apressamos a colocar no bolso. 
Ergueu-se e fixou a minha mãe soltando-lhe um sorriso. Desembainhou a sua espada e questionou:
- Está a começar, não é?
A minha mãe assentiu com a cabeça e ele abriu a porta. Segui-o e queria impedi-lo de sair. Não fazia ideia do que se iria passar mas pressentia que não era nada de bom.
- Benny, não podes ficar. Não me deves impedir. Há coisas que só alguém pode fazer e o poder de uma criança, neste caso, não é suficiente para demover um coração empedernido. - explicou, levando-me ao colo para próximo de Angie. - Por favor, cuidem-se e deixem isto terminar agora. Não voltem para trás assim que pisarem o círculo independentemente do que se esteja a passar comigo ou com alguém.
Angie assentiu com a cabeça e apertou a minha mão mantendo-me sobre a sua visão.
A terra começou a tremer e o som imperativo de cavalos em marcha rápida fazia-se ouvir. Dezenas de pessoas saíram do seu tugúrio e questionavam-se sobre o que seria aquele som grave. Alguns olhavam-nos com cepticismo e corriam rumores que a visionária Ariel estava correcta e que a sua profecia era verdadeira. Outros, corriam desalmadamente sem saberem o que fazer. 
Ao fundo da montanha, por entre o nevoeiro que entretanto se tinha formado, pontos luminosos se faziam avistar. Não eram poucos: provavelmente seriam centenas de pontos que, inexoravelmente se aproximavam da aldeia e se apresentavam com cavalos negros que se assemelhavam a derrames petrolíferos e seguravam nas suas mãos tochas, lanças e espadas. Nós apreciávamos o espectáculo de longe e mirávamos os rostos que nos circundavam com terror, certamente dando razão à minha mãe. 
Abruptamente ouve-se o grito grave do chefe da aldeia a anunciar uma invasão e a levantar uma lança em direcção ao céu tempestuoso e o pânico instalou-se, mas já não havia nada a fazer. Os tiranos da linha da frente já se tinham apoderado das primeiras habitações, atiçando-lhes fogo e matando os animais. Os restantes, formaram um círculo perfeito em torno do escudo de segurança. Denotei o olhar furtivo que o meu pai lançou à minha mãe. 
- Eu... eu pensei que eles não sabiam, Dale! - constatou a minha mãe com um rosto desfigurado pelo medo.
- Eles sabem mas vocês vão sair daqui nem que seja a última coisa que eu tenha a fazer.
Dito isto, começou a correr em direcção ao aglomerado de soldados que dilacerava quem lhes ousasse fazer frente. 
Tentei esgueirar-me mas não consegui. Angie era demasiado forte e ágil para me desprender.
- Vocês não ousem sequer emitir um choro agudo. - avisou, levando-nos para próximo de casa. - Um choro pode ser fatal. 
Conti as minhas lágrimas enquanto via crianças da minha idade serem despedaçadas e homens a pegarem nelas como se fossem meros galhos secos e sem vida. Recostei-me em Angie que me afagava o cabelo mas, eu sentia as suas lágrimas embaterem-me na nuca.
Ouvi passos acelerados na nossa direcção e reconheci que não eram passos transmissores de perigo.
- Tentem escapar. Apenas há uma forma de se salvarem e não podem, irrevogavelmente, voltar para trás e muito menos olhar para trás. - disse-nos com a respiração ofegante. - Dirijam-se para Este quando eu vos fizer sinal. Nada de hesitações.
- Mas tu prometeste ficar bem. - reclamou Angie não contendo o seu choro compulsivo.
- E vou ficar. Prometo.
Começamos a caminhar para Este, tal como o pai havia dito mas estávamos cercadas. Abruptamente ouviu-se um som retumbante e vi o meu pai elevar-se num cavalo inimigo e marchar em direcção a Este levantando o seu arco e disparando flechas sobre os homens que se interpunham à nossa passagem. 
- Corram! - bradou enquanto passava por nós a uma velocidade alucinante com os seus cabelos a acompanhá-lo naquela marcha veloz.
Demos as mãos e começamos a correr até ao local onde os homens estavam a ser mortos. Angie não parava de chorar e a mãe estava impávida mas sofrendo interiormente. Melhor que ninguém, ela sabia o desfecho daquele capítulo. Ela tinha-o visto e, provavelmente sonhado.
Apenas faltavam uns exíguos metros para ultrapassarmos a fronteira e enveredarmos pela floresta densa e sombria quando um cavaleiro com uns olhos negros como carvão nos fixava e eleva a sua espada na minha direcção. Cerrei os olhos e só senti algo líquido abater a minha face: uma lança tinha interceptado o seu tronco antes de ele ter cortado a minha cabeça.
- Faltam apenas uns metros. Corram e não olhem para trás.
Continuámos e mesmo na fronteira ouvi um grito de dor e rodei a minha nuca, olhando para trás. A aldeia outrora florida e simpática assemelhava-se a um Inferno terrestre onde tudo estava em combustão. Procurei o grito e vi o meu pai cair do cavalo negro aterrando no solo húmido, soltando uma lufada de sangue.
Estremeci e senti algo estranho: como se alguma coisa se estivesse a apoderar de mim.
- Benedith! - bradou a minha mãe rodando-me violentamente a nuca. - Olhaste para trás? Não podias ter olhado para trás! - bradava.
Assenti com a cabeça e comecei a chorar compulsivamente.
- Eu vi-o morrer, mãe! Eu vi! Ele não vai voltar, pois não? Ele está morto! - bradava num choro interminável.
- Angie, não ouses olhar tu também. - disse num tom de voz ríspido. - E tu, Benedith, entenderás as consequências do que fizeste mais tarde.
Não voltamos a falar do assunto. Caminhamos sem olhar para a aldeia e para o corpo do pai que jazia no chão. Lembro-me que caminhamos horas a fio até chegarmos ao local onde actualmente vivemos. 
E agora, mesmo tendo passado mais de uma década após a destruição total da aldeia, todos os pormenores permanecem na minha mente e questiono-me se essa era a consequência.

P.s É certo e sabido que eu faço as sondagens mas acabo por fazer tudo ao contrário! haha Bem, aviso que isto é um novo registo e uma mistura de tudo o que estava nas hipóteses na sondagem. Espero que gostem!

12 comentários:

Cassandra Lovelace disse...

fiquei boquiaberta, meu deus como adoro este tipo de histórias!
E já fiz a sequela toda na minha cabeça , ahahaha e decerto que não tem nada a ver com a tua mas amei e consegui vislumbrar tudo na minha mente apartir das tuas palavras! Amei, amei e espero bem que desta vez leves esta história até ao fim e que não fique como a 'Como desaparecer completamente' :c
Simplesmente, amei darling.
kiss, Cassandra
ps: tenho escrito! E numa dessas epopeias de escrever, fiz um novo capitulo de 'trying give a end'

r u t h disse...

ADOREI!! Tens uma talento magnífico para a escrita!

Anónimo disse...

Hayley1 Eu fiquei...
Ouve, SUPER embrenhada!
Acho que nunca li algo teu tão bom.
Eu fiquei com a respiração cortada, boquiaberta...
A sério, imensos parabéns!

Catarina disse...

Querida eu disse-te que ia so ler amanha ou no fdsemana mas vim aqui e tirei uns minutos porque tambem farias isso por mim.
Chamou-me tanto a atençao este primeiro capitulo e mal comecei a ler vi tudo a passar-me pela cabeça. ja tenho uma historia na minha cabeça até. Gostei mesmo Sofia e acho que vai ficar magnifico.

łnn Gray ۞ disse...

Hi Nya*!!! Mais uma vez brindaste-me com mais uma bela história, escusado será dizer, imperdível :D
Obrigada por me teres enviado o e-mail :D

łnn Gray ۞ disse...

E eu vou estar cá para a ler :DD

Phage disse...

Lindo! Eu adorei o teu blog.
Sou tua seguidora também. beijinho grande :*

Phage disse...

Obrigada minha querida, é verdade!
Sabes que há uns tempos para cá também tenho tido grandes pesadelos, eu acordava a tremer e a chorar, eram mesmo mesmo horríveis, sem brincadeira!

Sinceramente, já não me lembro de ter um sonho bonito! -.-
Enfim...que tristeza!

Phage disse...

hehe obrigada. Foi uma óptima viagem!
Acredita, eu também não sei tirar fotografias artísticas, mas adorava!

Quanto aos sonhos, é horrível mesmo ir dormir e saber que nem a dormir estamos descansadas T_T

łnn Gray ۞ disse...

:O não acredito que tocaste :p

Unknown disse...

Confesso que li o texto todo direto e segurando a respiração. Como escreves bem! Tens o típico dom de escritor, de teletransportar o leitor para o ambiente, fazer com que sintamos e vivamos as personagens. Achei de imensa sensibilidade e agonia o trecho onde estão escondidas dentro da casa, sem poder chorar e a personagem sente as lágrimas da outra em sua nuca. Espetacular. Cuidado para não liberar tudo, sairia um livro e tanto, aconselho. :)

Laísa Couto disse...

Tenho de concordar com o Chris, isso merece um bom e gigante livro! Encorregando pela leitura, nos sentimos embarcados pela sensação, é fascinante como podemos degustar a história e nos prender nos pormenores dos mistérios contidos sabiamente em cada passagem...
Não quero perder nenhum capítulo deste!